"Sandra? Daqui o Dr. P. tens um doente na cama x para fazer a nota de entrada. Hi hi, vais estar tramada com o homem. Veio da medicina e ja esta farto de dar histórias. boa sorte, hihi!" (e sim...ele ri maleficamente d verdade)
"Bons dias senhor D. Vinha fazer-lhe umas perguntitas muito simples. pode ser?"
Sr. D. faz má cara e não responde. Bem, vou ter de ir ao processo...a nota de entrada tem de ser feita!
Medicinas e suas manias...lá fizeram a colheita mínima da história do senhor (sim, faltavam mts coisas que talvez achasse importante...mas isso sou eu. o aluno que provavelmente fez aquela nota de transferencia estava morto para se livrar deste doente).
Tirar sangue...ui...outra complicação..quem o ouvisse a gritar parecia que eu estava a tirar-lhe um pedaço...
"Já ouvi dizer que foste tu a sortuda a ficar com o D." diziam os colegas.
E assim foi um pouco o primeiro dia de contacto com este senhor. Um doente que ninguém queria ver, falar e que ate mesmo para tratar não era desejado. Um senhor caquético, muito muito caquético, com uma neo metastizada, que necessitava "simplesmente" de um tratamento paliativo para deixar de se "esvair" em sangue.
Ao segundo dia, o normal, Bloco. Uma cirurgia interessante do ponto de vista académico, terrível do ponto de vista do doente. Uma CID, montes de transfusões, factores de coagulaçao, albuminas, enfim..uma cirurgia agitada.
Foi sair do bloco e voar para a unidade de cuidados intensivos, lugar onde consegui arranjar muitos sermoes, muitos olhares odiosos (do tipo "você nao faz nada de jeito"...é mm assim para todos), e que aprendi mais do que em todo o estágio.
Foi uma semana extraordinária, com uma evolução fantástica, semana em que melhorou a olhos vistos, em que revertemos o quadro hemorragico, em que tiramos o senhor de um estado pré-morbido e o deixamos bem disposto. Ainda que mal pela doença, consegui criar uma relação empatica com ele, consegui pô-lo a sorrir, até mesmo a brincar comigo.
Ontem escrevi a sua nota de alta, prevista para hoje, conversei com a familia, que nada sabia do doente (e como o médico cirurgiao nao estava por lá , tive de ser eu a falar), e até fui ralhar com ele por não ter dito que tinha feito anos no dia anterior.. Sr. D estava fantástico. Ao despedir agradeceu-me e fez aquele sinal de "fixe" que tanto conhecemos com a sua mão débil. Sorri. confesso, estava orgulhosa de mim mesma.
"Então quem tem alta hoje?" "Sr. D." digo eu
"D. está na UCI. Teve uma PCR às 7 da manha"
PCR...Coma...Ventilação invasiva...tubos e mais tubos...FMOS...15 horas da tarde: morte.
Como? Em que errei? Será que me escapou algo? Podia ter feito mais?...foram muitas as questoes que fiz a mim mesma ao longo do dia. um senhor que ontem estava melhro do que em todos os outros dias, pronto para ir para casa, que só ainda nao tinha ido porque não tinha quem ficasse com ele em casa, um senhor aparentemente bem...como foi tudo isto acontecer?
Penso que alguns de nós já viveu uma experiência semelhante. um doente nosso, mesmo nosso, a morrer assim, de repente. Para mim foi a primeira, e provavelmente por ser a primeira custe mais. O dar a noticia à familia, familia que ainda ontem andava a convencer de que o senhor estava a melhorar de forma espantosa, o ver todo aquele sofrimento e não poder fazer nada.
Não sei como reagiram à situação, mas para mim foi pesado.
=(
Flores para Algernon
Há um ano
1 comentários:
... não melhora ...
felizmente, a meu ver
**
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